Sou medricas, e então? #Covidizer

Estavamos em finais de fevereiro, o mundo já estava caótico em vários países, mas Portugal ainda não tinha registado (se a memória não me falha) nenhum caso positivo de Covid-19. Ainda assim, a minha pulsação já estava ligeiramente mais acelerada do que o normal. No seguimento das celebrações do carnaval e do novo ano chinês, ia haver um mega evento de música eletrónica na FIL – o Elrow. Eu tinha bilhetes à pala para ir (props para a Marta), mas, sigam o meu raciocínio: festa em local fechado, com milhares de pessoas (embriagadas, claro), e, drum rolls, a celebrar o ano chinês. Chegaram lá, espero. Certo? Portanto, sim: hell the fuck no. Foi o primeiro evento da saga de acontecimentos que eu comecei a recusar.

Já sou mestre!

Duas semanas depois tive a defesa da minha dissertação de mestrado (o que, já agora, já sou mestre c*r*lh*!) e, nessa altura, já tinham sido confirmados os primeiros casos de coronavírus no norte do país. Os nervos de uma defesa de tese já são gigantes, agora adicionem lá uma dose hipercalórica de ansiedade “covidiana”. No final, tirei um glorioso 18 e, portanto, fui fortemente beijocada e abraçada por variadíssimas pessoas. Pessoas essas por quem tenho um enorme carinho, claro! Mas, aqui entre nós, só passadas 2 semanas de quarentena é que relaxei depois daquela série de contactos físicos. Até porque a minha universidade chama-se, exatamente, Universidade Europeia. Logo, “Europeia” = “Internacional” = “Viagens” = “Covid”. A minha ansiedade não me perdoa, de todo.

Ainda nessa semana, mais especificamente na sexta, tinha duas coisas marcadas: uma reunião e uma festa no Titanic Sur Mer. Tinha marcado ir a esta festa há imenso tempo, pois nunca tinha ido ao Titanic e seria uma festa temática intitulada “Remember 90s vs 00s”. E eu adoro(…)o festas temáticas. Mas, o número de casos em Portugal já não era brincadeira e o meu lado de animal na toca (com o rabo entre as pernas) ganhava cada vez mais força a cada minuto que passava. Foi então aí que decidi cancelar tudo – a minha vida toda, basicamente. Embora o número de casos covid estivesse a aumentar, o país ainda não tinha parado. De modos que fui ligeiramente gozada pela minha atitude de medricas.

O medo que me mantém viva.

Ah! Já vos disse que faço parte do grupo de pessoas de risco? Além da minha deficiência neuromuscular, que me faz andar em cadeira de rodas, tenho uma insuficiência respiratória grave de grau III. Uso ventilador através de uma peça bucal, o que, além de ter obrigatoriamente de usar a mão para segurar o ventilador na boca, me impede completamente de usar máscara facial. Giro, não é? Gosto de considerar esta minha nova ansiedade (ainda mais) permanente e medo constante como forma de autoproteção. Porque no final das contas, o medo não é mais do que uma sensação que nos protege de um perigo, teoricamente, real. É o que nos faz retrair e repensar nas nossas ações face a situações perigosas. E, embora este virus seja uma ameaça invisível, é algo bastante palpável para mim.

Eu bem sei o que é ter dificuldade em respirar, em não ser autónoma na respiração, em ter infeções respiratórias todos os anos, inclusive, esporadicamente, pneumonias. Sei qual é a sensação de ser entubada; de ter parte dos pulmões em pré-atelectasia (quando não é oxigenado); de tomar vários antibióticos diferentes, por nenhum ser totalmente eficaz após 23 anos a tomar antibióticos; ter 40 graus de febre e consequentes alucinações, entre muitas outras coisas. A experiência diz-me que ficar sem respirar é das piores coisas que pode acontecer a alguém. Como tal, sim – sou e quero ser medricas. Quero ser medricas se o medo me proteger do vírus e de todas as pessoas irresponsáveis e inconscientes. Quero ser medricas se o medo me mantiver viva.

Este desconfinamento fez-me lembrar todos os invernos e dias menos quentes que eu decidi ficar dentro das salas de aula em prol da minha saúde, ao invés de ir para o recreio com os meus colegas e amigos. Decidia ficar fechada na sala, sozinha, a arriscar ficar doente, mesmo ninguém querendo ficar comigo e compreender que eu não posso apanhar frio. Fui e sou antisocial e egoísta. Porque quero viver e ainda tenho um mundo por descobrir. Se a solidão me der saúde, que escolha tenho eu?

Por favor, não façam merda.

Em breve falar-vos-ei de trust issues (problemas em confiar nas pessoas) em tempos de covid-19. Se vivemos numa sociedade, cheia de mini sistemas codependentes, parte da nossa base funcional tem de ser, naturalmente, a confiança. O que é algo que a mim não me assiste, literalmente. A vida ensinou-me a não pôr as mãos no fogo por ninguém. Porque de certezas, só posso saber verdadeiramente das minhas.

Até já.
 
Ah, e não façam merda, por favor ☺️
                  

   

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Raquel Banha

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