Foram semanas sem pregar olho, sem comer como deve ser e a colocar algumas prioridades de lado. Sou assim. Intensa, obsessiva e, acima de tudo, bastante rigorosa. Continuo a acreditar que tudo é possível e que quando uma pessoa realmente quer algo, é capaz de mover montanhas.
A luta pela vida independente das pessoas com deficiência começou muito antes de eu nascer. Lá fora já se luta há muitas décadas e, cá em Portugal, só há meia dúzia de anos é que se começou a ter lugar no espaço público.
Antes de me deslocar exclusivamente em cadeira de rodas, andei durante alguns anos e mesmo com as minhas diferenças, conseguia passar despercebida em muitos sítios. Ainda assim, sentia que nunca era carne, nem peixe. Era algo ali no meio, e, sendo-vos honesta, dava-me muito jeito. Não era normativa o suficiente, portanto usufruía da sensação de achar ser especial, que tanto as pessoas com deficiência são erradamente obrigadas a sentir (flash news: a deficiência não faz de ninguém especial, e isso só contribui para uma falsa realidade e discrepância com o mundo para lá da nossa bolha). Por outro lado, andava, mesmo que em modo limitado, e à pinguim, pelo que também me conseguia infiltrar subtilmente no universo dos comuns. A confortável sensação de pensar ser especial, juntamente com a imaturidade expectável de uma criança, fez com que eu sempre me recusasse a misturar-me com as “outras” pessoas com deficiência. Havia o eu, e as outras. E eu, não queria ser as outras, nem tão pouco saber “delas”. Para quê sair da minha bolha confortável, onde podia ser o centro das atenções, que tanto gostava de receber?
Os anos foram passando, a maturidade refinando e a minha deficiência a tornar-se cada vez mais visível.
A minha veia ativista, que os meus pais, principalmente a minha mãe, sempre me tentou incutir, só começou a dar sinal já quando eu estava na faculdade.
Esbarrei-me contra a Associação CVI — Centro de Vida Independente e de repente tudo fez sentido. Pensamentos e ideias que eu nunca havia exteriorizado, tinham agora nomes, caras, filosofias e movimentos sociais concretos. De espetadora rapidamente me tornei fazedora. Este foi o primeiro ano que estive ativamente na comissão organizadora da Marcha pela Vida Independente, que se tem realizado todos os anos desde 2018.
Desta vez, a marcha desvinculou-se da minha associação, por acreditarmos que a marcha só faz sentido ser feita se for em comunidade. Assim, nasceu o coletivo informal Vida Independente em Marcha (VIM), que conta já com cerca de 250 pessoas com deficiência, responsável pela organização das 8 marchas e concentrações que se realizaram no domingo, dia 5 de maio, no Dia Europeu da Vida Independente.
Muitas noites em branco, muitas dores de cabeça e uma quantidade absurda de ansiedade, que me obrigou a tirar férias do trabalho. Por momentos, achei que estava a passar para o outro lado da loucura. Foi, efetivamente, muita coisa em tão pouco tempo. Organizar comissões locais, planear ordem de trabalhos, definir a estratégia de comunicação, contactar organizações de pessoas com deficiência, contactar grupos de direitos humanos fora da deficiência, convidar partidos políticos, gerir a comunicação social… No VIM, todos deram o seu contributo possível, mas há uma pessoa em especial que nunca me largou a mão e esteve sempre ao meu lado até às tantas a segurar o barco e a garantir que nada falhava. Tita, minha Tita! O que teria feito eu sem ti? Obrigada por teres sido a minha grande companheira de luta, e de teres aturado os meus fritanços diários até às tantas da noite. Ninguém nos derruba! Fomos e somos incríveis, obrigada meu amor.
Quero agradecer também às 4 super mulheres que, mesmo com todos os contratempos (chuva, dia da mãe, etc), não arredaram pé e marcaram presença na marcha de Lisboa. Duas das quais eu já não via, literalmente, há uns 5 anos, e me fizeram recordar o quão feliz fui nos tempos da faculdade e da tuna. Per Ardua Surgo! Bennie, Rita, Jasmim e Joana, obrigada.
Mãe, minha mãe. Meu amor maior. Esta luta é igualmente tua. Só posso fazer o que faço, porque tu construíste as condições certas para mim. O que mais quero é poder dar-te o descanso que tanto mereces e tanto precisas. Quero devolver o porto de abrigo que sempre foste, e sei que continuarás a ser, para mim. Este dia só fazia sentido ser passado contigo, a lutar lado a lado, como tão bem sabemos fazer as duas. Não largaremos as mãos, nunca!
Aos capangas do costume, que orgulho. Que honra poder lutar convosco! Diogo, Diana, Jorge e tantas mais pessoas. Sintam-se todas mencionadas aqui no texto, por favor. Porque sem vocês nada disto seria possível.
Obrigada a quem esteve presente: camaradas, aliades, partidos (Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal e Cidadãos por Lisboa), à comunicação social que nos reconhece valor e direito de antena, parceiros… A quem, não estando presente na marcha, contribuiu para que este dia pudesse ser celebrado um pouco por todo o país: Braga (online), Vila Real, Guimarães, Porto, Coimbra, Lisboa, Faro e São Miguel (Açores). Estou de coração cheio. A rotina do trabalho regressa na terça, mas, atentem… Ao que parece, há por aí uma coxa qualquer que quer fazer uma tasca… Até já e um bem-haja.