Há três dias estava eu no Estádio da Luz a assistir ao concerto magistral do Ed Sheeran, mas só agora tive oportunidade e capacidade para partilhar isto publicamente. Pela segunda vez, fui a um concerto sozinha, visto que a Everything Is New (EIN) ainda não se dignou a resolver a situação da entrada do acompanhante, que logicamente deve ser gratuita. Estava ciente dos riscos: muitas horas sozinha (sem comer nem ir à casa de banho), num estádio de futebol esgotado com cerca de 60 mil pessoas, etc. Mas, lá fui.
Surpreendentemente foi a primeira vez que a EIN me respondeu a um email e que vi divulgados no seu site contactos específicos para informações relacionadas com mobilidade reduzida. Um passo já foi dado! Havia finalmente uma pessoa responsável pelo Acesso Especial. No email ficou estabelecido que eu teria direito a um lugar reservado no parque de estacionamento subterrâneo do Estádio, para facilitar o meu acesso ao mesmo. O dia chegou, tentámos seguir as indicações (eu e os meus pais, que me levaram até ao concerto, de carro) que me forneceram por email e SEMPRE que parávamos nalguma entrada para o estádio e falávamos com um polícia, ninguém nos sabia dar orientações, nem tão pouco sabiam que lugares estávamos nós a falar. Após cerca de 30 minutos a sermos “empurrados” para outras entradas pelos polícias, lá conseguimos dar com a entrada correta. Aqui, uma vez mais, não nos queriam deixar entrar, nem queriam ouvir a nossa explicação. Depois de alguma insistência, deixaram-nos avançar e confirmaram que eu de facto tinha autorização para entrar no parque. Após me ter despedido dos meus pais, uma das responsáveis por aquele parque, a Marta Cândido, recebeu-me de braços abertos e orientou-me para o lugar onde eu iria ficar. Lugar este que NÃO FOI PARA ONDE EU COMPREI. O bilhete que adquiri estava destinado para os lugares de mobilidade reduzida, na bancada do Piso 0, no setor 19, e o que eles agora sugeriam era alegadamente mais indicado para mim (mais resguardado e “seguro”), num camarote, no Piso 2. Inicialmente fiquei desconfiada, mas depois disseram-me que no Piso 0 eu ficaria sozinha, totalmente por minha conta e sem assistência, e que no Piso 2, além de ter boa vista, teria alguma vigilância e assistência. Foi me garantido também que podia sempre decidir ir para o Piso 0 caso não ficasse satisfeita com o camarote. Com isto tudo, lá optei por experimentar o camarote. Para surpresa minha, assim que chego ao camarote deparo-me com o insólito facto dos camarotes NÃO SEREM ACESSÍVEIS. Como podem ver nas imagens (do google), os camarotes (espécie de salas de reunião) têm todos este género de janela gigante, que serve de porta para as bancadas do Piso 2, onde era suposto estar para assistir aos concertos
Agora digam-me, COMO É QUE ERA SUPOSTO UMA CADEIRA DE RODAS PASSAR OU SEQUER CABER ALI?! Além do mais, da sala do camarote para o varandim tinha um mega degrau. Passei-me, só. Comecei a reclamar e com tanta revindicação, tiveram de pegar na minha cadeira elétrica a peso (+100kg) e arranjar maneira de me colocarem na bancada. Lá conseguiram, mas fiquei no topo das escadas da bancada, a escassos milímetros das mesmas, sendo que ao mais pequeno deslize, podia ir pelas escadas abaixo… Super seguro, portanto. Duas pessoas que conhecia e também se encontravam em cadeira de rodas elétrica no camarote ao lado do meu, tiveram de ficar dentro do mesmo e assistir aos concertos através da “janela”… Como é que isto é sequer aceitável?! Pelo menos 2 outros senhores, à partida sem deficiência, com pernas em gesso, tiveram de fazer uma ginástica imensa para sair das suas cadeiras de rodas (manuais) e ir ao pé-coxinho para as bancadas. AO PÉ-COXINHO! COMO É QUE ISTO É POSSÍVEL?!
A coisa acalmou-se-me e consegui assistir ao concerto do James Bay “””””sem problemas”””””. O concerto anterior, com tanta barreira, tanta dificuldade em entrar no estádio, não consegui assistir. Perdi o concerto da Zara Larsson e digo-vos que fiquei bem f*dida, queria muito vê-la e o bilhete não era propriamente barato.
Mas! Claro que as coisas não poderiam continuar calmas e serenas: entre o concerto do James Bay e do Ed Sheeran (15/20 minutos de intervalo) o meu ventilador DEIXOU DE FUNCIONAR, do nada. Puff, morreu. Só apitava por todo o lado, eu a revirar os olhos de tanto azar junto, os calores já a subirem-me pela espinha acima e eu a entrar em parafuso. Toca de telefonar à minha mãe pois tinha sido ela a ficar com o contacto da assistente que me recebeu no parque de estacionamento. Felizmente que a comunicação fez-se de forma rápida e eficaz, pelo que poucos minutos depois, já tinha uma pessoa, a Tânia Tadeu – responsável pelo Acesso Especial da EIN, ao meu lado a ajudar-me. Resolveu-se num instante o problema e conseguimos ligar o ventilador a uma tomada elétrica. A Tânia, que foi a pessoa que me respondeu ao email, foi impecável e incansável comigo. De x em x tempo ia espreitar-me para se certificar se estava tudo bem. A minha questão é: se a porra da situação da entrada gratuita do acompanhante já tivesse sido resolvida, evitavam-se estas situações de “pânico” e aflição!
Felizmente, consegui ter 2 horas de paz e usufruir do concerto do Ed, na sua plenitude. Foi soberbo. Um aspeto positivo é que tinha realmente uma excelente vista, não me posso queixar.
Terminado o concerto, comuniquei com os meus pais para me virem buscar e, com calma, fui-me dirigindo para o parque de estacionamento, sempre acompanhada por staff. Cheguei ao parque e os meus pais ainda não tinham chegado. Resolvi telefonar-lhes. O meu pai atende e, com uma voz super exaltada e nervosa, diz-me que estavam naquele preciso momento a entrar no parque. Assim que eles estacionam, a minha mãe sai do carro e vem apressada ter comigo e agarra-se a mim a chorar… Porquê? Tinham sido novamente barrados por polícias, que estavam vigorosamente a proibir que os meus pais entrassem no parque para me virem buscar. Esta proibição levou a uma grande discussão acesa entre um polícia e os meus pais. O polícia recusava-se não só a deixar entrar, bem como a ouvir o que os meus pais tinham para dizer. Além disso, os meus pais pediram para falar com alguém superior e o polícia, mais uma vez, recusou o pedido, argumentando que nada podia fazer e que nem sequer tinha maneira de falar com alguém superior. Ora, no século XXI, com telemóveis, walkie talkies e todas as tecnologias possíveis e imaginárias, como é que um POLÍCIA MENTE DESCARADAMENTE desta forma?! No meio da discussão, a minha mãe resolve telefonar para a assistente do parque – a Marta Cândido, a expor desesperadamente a situação e a pedir ajuda. Como é óbvio, assim que este contacto foi feito, a situação resolveu-se em três tempos. Ao ponto de os meus pais terem visto depois o tal polícia ao telefone, a falar com um superior.
Já dentro do parque, reuniu-se uma equipa de umas 5 pessoas à nossa volta a certificarem-se que estávamos os 3 bem e que nada mais acontecia. No final foram todos muito queridos e atenciosos…
Agora, expliquem-me: PORQUÊ? Para quê tudo isto? Para quê tanta desorganização e falta de comunicação? Polícias e staff mal informados, lugares no recinto reservados para mobilidade reduzida SEM SEREM ACESSÍVEIS, porquê, como? Obrigarem-me sempre a pagar a dobrar para ter o apoio de um cuidador/assistente pessoal, com que direito e argumento? SÃO ANOS DE VIDA que me tiram a mim e aos meus pais. Tenho 22 anos e sinto que já tenho uma carapaça de alguém com 40 ou 50 anos. Os meus pais andam cansados e desgastados de tanta incompetência. Querem-nos sugar a energia toda? Numa suposta atividade de LAZER? Será que as pessoas não entendem o DESGASTE PSICOLÓGICO E EMOCIONAL que nos causam? NÃO É A MERDA DA DEFICIÊNCIA, não! Nunca foi, nem nunca será. Não ando, so what? Já alguém me ouviu a reclamar ou a queixar-me de que não ando? Não. Porque não é esse o problema, nem nunca foi ou será. SÃO AS OUTRAS PESSOAS. As que decidem coisas POR NÓS, a que fazem SERVIÇOS INCOMPETENTES. Poupem-se das vossas penas. Nem eu tenho pena. Tenho frustração e muita raiva. Muita raiva, mesmo. Apetece-me muitas vezes partir tudo e partir para a violência. Emails, queixas à provedoria e entidades reguladoras, contactos e mais contactos, notícias nos jornais e televisão e nada é feito. Tenho de fazer o quê para fazer valer os meus direitos enquanto CIDADÃ ATIVA que sou? Porra, eu voto! Eu cumpro os meus deveres! Eu estudei, muito. Estou a trabalhar, a contribuir para o Estado. E em troca o que tenho?!
Quero fazer um agradecimento público à Marta Cândido do Estádio da Luz e Tânia Tadeu da Everything Is New por, pela primeira vez, terem dado rosto e respostas às necessidades dos Acessos Especiais, minhas e todos os que usufruíram destes lugares no estádio. Foi notório o esforço que fizeram e o empenho para que tudo corresse da melhor forma possível. E fico mesmo muito emocionada por as ter conhecido, por ter ficado com os contactos pessoais delas e por começar finalmente a ver algumas mudanças no sentido da integração e acessibilidades para pessoas com mobilidade reduzida. Agora, é continuar e melhorar, melhorar. Porque, embora um passo já tenha sido dado, claramente não é o suficiente.
Comments
Caramba Raquel que aventura. É tão triste ainda vivermos com estas situações. Bj