Ida para Amesterdão

Olá, amigos.

Depois do turbilhão, positivo e negativo, que foi a minha viagem a Amesterdão, venho partilhar convosco, a versão mais real e crua do episódio do meu regresso a Lisboa, recusado pela TAP. Caso já tenham lido a notícia da NIT, encontrarão conteúdo repetido, mas também detalhes novos importantes, especialmente na parte final, que ainda não divulguei. O artigo será grande. Preparados?

Para quem ainda não me conhece, chamo-me Raquel Banha, tenho 26 anos, sou pessoa com deficiência e mobilidade reduzida, com 94% de incapacidade física. Desloco-me em cadeira de rodas elétrica e sou dependente de um ventilador para respirar. Contudo, não preciso de qualquer assistência médica para viajar e sou bastante autónoma, em conjunto com o auxílio da minha assistente pessoal.

Antes de falar sobre o regresso, deixem-me que vos faça um apanhado sobre a minha ida, que também teve algumas dificuldades. Em primeiro lugar, é importante mencionar que até à data da viagem, marcada para dia 19 de abril, às 09h05, infelizmente estive doente e de baixa com uma infeção respiratória. Estive até à última sem ter a certeza se podia viajar, ou não. Assim que senti que a minha saúde me permitia embarcar, preenchi o formulário de Assistência Especial da TAP o mais depressa possível, por volta das 23h do dia 17 de abril, cerca de 34h antes da viagem. Sabia que era arriscado, pois a TAP solicita um aviso prévio de 48h de quem se desloca em cadeira de rodas, para poder viajar com todas as comodidades garantidas, mas também sabia que a viagem não me podia ser recusada sem uma justificação legítima* e que, dadas as circunstâncias, tinha preenchido o formulário o mais cedo possível.

*Nos Direitos dos passageiros com deficiência ou mobilidade reduzida da União Europeia, embora seja aconselhado o aviso prévio de 48h antes do voo entanto, é bastante explícito que “Não lhe pode ser recusado o embarque devido à sua deficiência ou mobilidade reduzida, a menos que a aeronave seja fisicamente demasiado pequena ou que haja motivos ou regras de segurança que impeçam a companhia aérea de o transportar.”.

Neste formulário, adicionei toda a informação necessária sobre o material específico a transportar no avião, relacionado com a minha deficiência. O principal a mencionar era a cadeira de rodas elétrica, de 196 kg, a transportar no porão, e os dois ventiladores BiPAP, sem oxigénio ou outro gás, que teria de levar comigo na cabine, um deles a funcionar e o outro de reserva. Paralelamente, na secção de Necessidades Especiais, a TAP tem uma página dedicada a problemas de saúde, onde esclarece que em caso de doença respiratória crónica e necessidade de oxigénio extra ou outro equipamento médico a bordo, é preciso solicitar uma autorização médica para embarque. Esta autorização — MEDIF —, deve ser preenchida por um médico do passageiro e posteriormente enviada para o departamento de Medical Cases da TAP. Uma vez que tenho insuficiência respiratória e utilizo permanentemente um ventilador para respirar (teoricamente, enquadrar-se-ia no ponto “outro equipamento médico a bordo”), já tinha o MEDIF preenchido e, portanto, após a submissão do formulário das Necessidades Especiais, enviei o documento para o e-mail medical.cases@tap.pt, disponível no site.

A primeira resposta que obtive, às 8h28 do dia 18, é que o formulário preenchido estava incompleto, sendo que, duas das informações em “falta” não tinham sequer campo apropriado no formulário onde as pudesse colocar (Bateria — marca e modelo; voltagem da bateria).

Depois, às 9h33, do mesmo dia, o departamento de Medical Cases respondeu-me a dizer que como não enviei o MEDIF com 48h de antecedência, teria de alterar a reserva para outro dia. Ou seja, muito levianamente, foi-me pedido que eu cancelasse o meu voo, o qual levei cerca de 2 meses a planear, e marcasse outro para daquela altura a 48h, para que o processo pudesse ser iniciado…

Indignada, submeti novo formulário, com a maioria da informação já enviada e depois enviei uma mensagem para o apoio ao cliente no site, com a prova de preenchimento do formulário, bem como toda a documentação necessária e mais detalhes facultativos, para ter a certeza que nada falhava. Assim, era a 3.ª vez que enviava a mesma informação para a TAP.

A TAP, ao rececionar o 2.º formulário, contactou-me via telefone para voltar a fazer as mesmas perguntas, às quais já tinha respondido 3 vezes. Soube nesse contacto que estava a haver problemas na autorização, por parte da TAP, do transporte da cadeira de rodas elétrica no porão, bem como do ventilador na cabine de que necessito de utilizar permanentemente para respirar. O motivo apresentado foi que, dado que se tratava de um passageiro com um Medial Case, não estava assegurada a assistência médica para a viagem. Eu e a minha mãe explicámos que eu não precisava de assistência médica a bordo, pois sou autónoma com os aparelhos que utilizo. Ainda neste telefonema, depois de alguma espera em linha, entenderam que realmente não era necessário acionar qualquer assistência médica no voo, não se tratando, portanto, de um Medical Case. O aparelho estava autorizado para o transporte e uso na cabine, durante a viagem. Quanto à cadeira de rodas elétrica, o assunto não ficou esclarecido durante a conversa deste 1.º telefonema. No entanto, foi-nos dito que se eu já tinha viajado na TAP com aquela cadeira, à partida não iria haver problema. Ainda assim, disseram-nos para aguardar por um e-mail que iriam enviar a confirmar a autorização de tudo. Esperámos pelo dito e-mail até às 17h desse mesmo dia. Com o dia de voo mesmo à porta, decidimos pegar no telemóvel e ligar para o Apoio ao Cliente da TAP. Relatou-se toda a conversa tida no 1.º telefonema e que eu não tinha recebido, até àquele momento, nenhum e-mail, e explicou-se que se estava a cerca de 12h do voo marcado e que era urgente tratar deste assunto.

Depois de muito se esperar em linha, a agente disse-nos que não havia autorização, dos serviços competentes, para o transporte e uso na cabine do aparelho de ventilação, durante a viagem, nem do transporte no porão da cadeira de rodas elétrica. A solução apresentada, foi a mesma que o departamento de Medical Cases deu: alterar a reserva para outro dia, para daquela data a 48h. Isto porque tinha de se iniciar um novo processo de pedido de assistência. Ficamos incrédulos, pois havia muitas discrepâncias nas informações dadas do 1.º para o 2.º telefonema, bem como no atendimento propriamente dito. Foi-me recusada uma explicação legítima e clara do porquê da não autorização, sem ser a frase-robot “tem de pedir assistência com 48h de antecedência”, e quando foi pedido à agente que nos reencaminhasse para o seu superior, esta voltou a negar, deixando-nos completamente sem alternativas. Por mais que explicássemos que o caso não se tratava de um Medical Case, a operadora foi sempre perentória e nem tão pouco se dignou a tentar perceber e resolver a situação. O atendimento foi degradante e a agente não tinha, claramente, qualquer capacidade ou competência para exercer a sua função.

Já em desespero, voltámos a ligar para a linha de apoio uma 2.ª vez (3.ª conversa). Felizmente quem nos atendeu a chamada foi um profissional competente, humano e sensível ao assunto apresentado. Só neste último telefonema é que se receberam todas as devidas autorizações. Tudo por voz e nada por escrito. A viagem para Amesterdão correu como deveria correr, bem. No entanto, no check-in, tive de repetir novamente todas as informações da cadeira, como se eu nunca tivesse preenchido nenhum formulário… No fim, correu normalmente e não houve mais constrangimentos na viagem de ida.

TAP abandona-me em Schiphol

O mais grave, e razão principal pela qual divulguei publicamente a minha história, aconteceu na viagem de regresso a Lisboa, que estava agendada para dia 24 de abril, às 19h30 de Amesterdão. Chegámos ao aeroporto de Schiphol com mais de duas horas de antecedência, dirigimo-nos de imediato ao local do check-in prioritário e fomos logo atendidas. Pediram novamente todas as informações sobre a cadeira de rodas elétrica e o ventilador, e ficaram estupefactos com o peso da cadeira (196 kg) – sempre que dizíamos o peso a alguém, a reação era um misto de surpresa com pânico. Ao fim de vários telefonemas, a operadora do check-in, da Swissport (agência responsável pela TAP no aeroporto de Amesterdão), informou que o local de embarque não era acessível à cadeira de rodas e que estava a tentar resolver a situação. Por esse motivo demorou cerca de 50 min a fazer o check-in. Nessa altura, foram-nos dados os cartões de embarque e despachada a bagagem de porão (malas).

Depois disso, encaminharam-nos para o balcão de assistência a pessoas de mobilidade reduzida do aeroporto e, após uma eternidade de conversas entre os funcionários, a cerca de 40 minutos antes do embarque, foi-nos dito que não tinham qualquer informação que, para esse voo, havia uma passageira em cadeira de rodas elétrica. Informaram-nos de que já era demasiado em cima da hora para garantir o meu embarque, até porque o elevador para levar a cadeira de rodas até ao avião (Ambulift) não estava disponível. Só a partir das 21h30 é que o elevador estaria livre. Frisaram que não havia solução de momento.

Apesar de toda a informação associada à reserva de ida e volta na TAP, de uma pessoa em cadeira de rodas, a assistência e logística não estavam acionadas junto dos serviços do aeroporto de Schiphol em Amesterdão. Chamaram o Manager da Swissport para confirmar que não podíamos viajar. Após muita insistência, percebemos que se a cadeira de rodas elétrica fosse despachada para o porão diretamente do sítio onde estávamos, e se eu fosse até à cabine do avião numa cadeira manual do aeroporto, talvez fosse possível embarcar. Do lado da assistência do aeroporto, estava tudo ok, na condição em que eles não nos poderiam ajudar ou responsabilizar-se pela minha entrada no avião. No entanto, tal só seria possível com a autorização do supervisor da TAP, com quem o Manager da Swissport esteve em permanente contacto.

O embarque foi novamente negado pela TAP, justificando que eu era um Medical Case e como não tinham informação sobre a minha cadeira, mesmo com a alternativa apresentada, não podíamos viajar. Tentámos explicar ao responsável da Swissport de que não se tratava de um medical case e que precisávamos de falar diretamente com o supervisor da TAP para esclarecer a situação. Mais uma vez, foi-nos dito que não era possível e a única hipótese era falar diretamente com a linha de apoio ao cliente TAP e ir à bilheteira do aeroporto. A viagem já tinha sido cancelada e era necessário recolher a bagagem que, entretanto, já tinha sido retirada do porão. A partir daqui ficámos completamente sozinhas, sem qualquer apoio, assistência ou alternativa.

Pedi apoio aos meus pais, que se encontravam em Lisboa, para reportar, junto do apoio ao cliente TAP, toda a situação dramática que estava a acontecer, enquanto nos dirigíamos para a bilheteira do aeroporto de Schiphol. Na chamada que fizeram, depois de várias esperas em linha, foram informados que não havia qualquer irregularidade com a reserva e que os colegas da Swissport podiam aceder a toda a informação sobre a cadeira e aparelhos a transportar e que não entendiam o porquê da recusa do meu embarque. Se a cadeira foi para Amesterdão, esta tinha de regressar. Logo aqui, o funcionário da TAP, em linha com os meus pais, deveria ter contactado imediatamente alguém da Swissport para resolver a situação. Mas não. O que é certo é que o avião TP671 das 19h30 partiu sem nós. Ficamos em terra, desamparadas e desesperadas. A alternativa foi ir a uma bilheteira e encontrar um voo o mais cedo possível para regressar a Lisboa.

A solução apresentada pelo Manager da Swissport era que adquiríssemos bilhetes para o seguinte voo da TAP, do dia 25 de abril, por volta das 7h. No entanto, fomos informadas, junto da bilheteira, que não havia lugares disponíveis em nenhum voo da TAP para esse mesmo dia. O único voo disponível era da KLM às 08h55. Demorou bastante tempo, cerca de 2 horas até ter a certeza de que não haveria constrangimentos, nem com a cadeira, nem com o ventilador. Tive de desembolsar 2.250,00€ nos 2 bilhetes.

Entretanto, em Lisboa, no atendimento ao cliente da TAP no aeroporto, os meus pais foram informados de que no sistema informático foi registado que eu não tinha embarcado por atraso… Ao mesmo tempo, foi-lhes dito que o sistema dizia que o meu primeiro registo no aeroporto de Schiphol, no dia 24, foi às 17h59 (16h59, hora de Portugal). Note-se que cheguei ao aeroporto às 17h23 (hora registada no recibo do táxi que apanhei para o aeroporto) e que, provavelmente, este intervalo de tempo deveu-se à eternidade que a operadora da Swissport demorou a fazer o nosso check-in. Os meus pais foram ainda informados de que nestes casos de necessidades especiais (péssimo nome, eu sei), o passageiro tem de estar no aeroporto 3h antes do voo, dado que nunca me foi facultado. Incrédula com esta informação, fui pesquisar no site da TAP e a informação passada não foi a correta. 3h correspondem a voos intercontinentais e, ainda assim, é apenas a hora aconselhada. A hora limite dos voos intercontinentais é de 2h e dentro da Europa é 1h30. Portanto, a hora aconselhada para voos dentro da Europa são 2h antes da partida, tempo mais do que respeitado por mim e pela minha assistente.

Durante a noite que tivemos de passar, eu e a minha assistente pessoal, sozinhas no aeroporto de Amesterdão, o acompanhamento da TAP foi completamente nulo. Fomos completamente abandonadas pela Swissport e pela TAP. Eu, doente neuromuscular, com 94% de incapacidade física, dependente de um ventilador para respirar (com bateria finita), medicação importante que já não tinha comigo, fui totalmente abandonada sozinha, com a minha AP, num aeroporto internacional gigante, sem ninguém para nos ajudar. Tentámos descansar no aeroporto, no meio de dezenas de ratos (sim, ratos, por todo o santo lado) numa aflição para encontrar tomadas elétricas para carregar o meu ventilador e os nossos telemóveis, ao mesmo tempo que procurávamos um lugar onde a minha assistente pudesse descansar. No princípio da noite conseguimos abancar num sítio onde havia uns cadeirões de massagens, onde a minha AP acabou por se sentar, e uma tomada tosca por perto. Ainda assim, só foi possível ligar o ventilador porque tinha comigo duas extensões elétricas, pois a tomada encontra-se ainda a alguns metros dos cadeirões. Fiquei naquele lugar cerca de 2 a 3h, mas com o meu telemóvel a ficar sem bateria e a powerbank já gasta, tive de ir procurar outro lugar onde eu conseguisse estar perto da tomada, para conseguir controlar todos os aparelhos. Não queria colocar a powerbank a meio do corredor, sem vigia, enquanto tentávamos dormir. Aqui, eu e a minha assistente tivemos de nos separar durante cerca de 2h. O local era perto, mas a verdade é que ambas acabámos por ter de ficar completamente sozinhas durante aquele período.

Deste modo, não houve hotel, comida, assistência, nada. A Swissport e a TAP desresponsabilizaram-se por completo. Ninguém foi ter connosco ou perguntou por nós. Foi criada uma situação grave e desumana, que podia ter posto em risco a minha saúde.

Enquanto esperávamos pelos bilhetes da KLM, apanhámos um momento histórico: a remoção dos acrílicos dos balcões, que foram colocados devido à pandemia. Um dos senhores foi extremamente simpático. No more covid!

KLM: o cavalo de Tróia

Até à hora de embarque do voo da KLM, conseguimos voltar ao balcão da Swissport para solicitar um comprovativo de que a informação sobre a minha cadeira de rodas elétrica e ventiladores estava disponível no sistema informático que é usado por todas as companhias aéreas e aeroportos. Felizmente, quem nos atendeu foi uma funcionária que não estava a par da nossa situação e muito prontamente imprimiu-nos uma cópia das informações presentes no backoffice. E não é que a informação estava efetivamente no sistema?

Já com “medo” de que nos culpassem por não estarmos 3h antes do voo (das 8h55) no check-in, com base na informação anteriormente recebida (mesmo sendo incorreta), por volta das 5h30 preparámo-nos para nos dirigir ao check-in. Numa primeira instância, ao chegar ao balcão, foi-nos dito que havia uma anomalia com a nossa reserva, alegando não terem comprovativo de pagamento e, por isso, os nossos bilhetes não podiam ser emitidos. A operadora aconselhou-nos a ir novamente à bilheteira ver o que se passava, uma vez que a compra não tinha sido efetuada diretamente à KLM, mas sim à agência de viagens do aeroporto, Axcess Travel. No entanto, o funcionário só entrava às 6h da manhã (2h antes do seu horário normal, precisamente com o intuito de nos dar assistência o mais cedo possível — props para a agência). Tivemos de aguardar cerca de 40 minutos até que o agente chegasse e nos reencaminhasse a um outro balcão da KLM, onde entregou em mãos o comprovativo de pagamento. Nesse balcão, o comprovativo foi aceite, mas o departamento que emitia os bilhetes só abria às 7h. Aqui, eu já estava bastante ansiosa, com receio que a KLM viesse com a mesma lengalenga da TAP/ Swissport, alegando ser demasiado em cima da hora… Neste sentido, para prevenir ao máximo que houvesse problemas no check-in, pois já tínhamos perdido 1h30 em burocracias, pedimos à hospedeira de terra da companhia que fizesse o favor de avançar já com o pedido de assistência, para que tudo corresse bem. A senhora concordou e seguiu a nossa sugestão, pelo que começou a fazer todas aquelas perguntas sobre a cadeira e ventilador, às quais já tínhamos respondido n vezes. Entretanto, a informação foi toda passada, e chegadas as 7h da manhã, os nossos bilhetes foram emitidos e o check-in foi feito diretamente naquele balcão. Despachamos as malas de porão novamente e ficámos a aguardar pela assistência do aeroporto.

Chegada a assistência, um supervisor da KLM veio ter connosco exatamente com a mesma história que a Swissport nos disse (foda-se). Não tinham informação sobre a minha cadeira, já era demasiado em cima do voo e o Ambulift não estava disponível, pelo que nos devíamos mentalizar que não iríamos conseguir apanhar aquele voo e que seria necessário trocar, novamente, os bilhetes. Nisto, a minha assistente começa a chorar de desespero e o supervisor mostra-se muito pouco colaborante. Entretanto, após alguns minutos de uma conversa muito pouco útil, este acabou por se ausentar e as 4 pessoas que estavam connosco (2 hospedeiras de terra e 2 assistentes para nos auxiliar com a cadeira) mostraram-se deveras incomodadas com toda a atitude do supervisor. Uma delas, inclusive, estava visivelmente perturbada. A sua outra colega hospedeira, que estava a assistir à conversa, sem dar cavaco a ninguém, pegou no telemóvel, fez uma chamada e em cerca de 10 minutos conseguiu desbloquear a situação, na condição de eu transferir logo para uma cadeira de rodas manual do aeroporto e a minha cadeira elétrica ir diretamente para o porão (a mesma solução apresentada pela assistência do aeroporto no dia anterior, que a TAP não aceitou). Assim foi.

A 20 minutos do encerramento do embarque, troquei rapidamente de cadeira e fomos a correr pelo aeroporto para chegarmos a tempo à cabine. Conseguimos entrar no avião a tempo e sentarmo-nos com calma.

Cadeira de rodas no porão: sim ou não?

Tudo parecia estar a correr bem, até que nos disseram que estavam a ter problemas em colocar a minha cadeira de rodas elétrica no porão, pois era demasiado alta para a pequena porta da bagagem. Ou se arranjava forma de diminuir a altura, ou a cadeira não podia embarcar e nós teríamos de sair do avião. Em pânico, a minha assistente tentou convencer a tripulação para descer do avião e poder orientar os funcionários da carga no manuseamento da cadeira, mas, por questões de segurança, foi-lhe negado (isto chegou a acontecer no passado com a TAP). Contudo, levaram a minha assistente até à porta traseira do avião, que se encontrava mais perto do porão, abriram-na e, cá de cima, a Ana tentou dar instruções de como tornar a cadeira o mais baixa possível. Os assistentes de carga não conseguiram seguir todas as instruções e disseram que, mesmo retirando o apoio da cabeça, não era suficiente para a cadeira entrar. 

A Ana, entretanto, voltou para o pé de mim, conferenciamos e eu lembrei-me, em conjunto, também, com a minha mãe ao telemóvel, de que é possível inclinar a cadeira, de modo que ela fosse deitada e assim ficasse com menos altura. Nisto, fomos informadas que a cadeira já tinha sido levada da zona do porão e que não seria mesmo possível transportá-la. Restava decidir se partíamos sem a cadeira, ou se saíamos do avião para apanhar outro voo. Caso optássemos por voar sem a cadeira, disseram-nos que a KLM não poderia garantir o transporte da cadeira, pois se a mesma não entrava naquele avião, que era dos maiores da companhia, o mais provável era não caber em mais nenhum. Liguei para os meus pais para conferenciar e em conjunto decidimos que era melhor eu partir sem a cadeira, uma vez que estava sem medicação e o mais importante era eu chegar a casa o mais depressa possível. Para garantir que ficávamos com uma prova de que a cadeira não tinha embarcado connosco, a minha assistente foi ter com a tripulação para solicitar um comprovativo. Uma das pessoas que a estava a ouvir a conversa era o copiloto que, de repente, vestiu um colete amarelo e saiu porta fora para chamar de novo a equipa da carga, para que trouxessem de novo a cadeira. Muito prontamente, a Ana voltou para a traseira do avião, de onde podia ver a cadeira e orientar o copiloto que estava no terreno, por chamada, de como reclinar a cadeira. No final, conseguiram guardar a cadeira no porão, tudo graças ao copiloto que decidiu tomar as rédeas da situação. Aqui foi apenas o fator humano, da boa vontade e disponibilidade que fez a diferença. E só assim a cadeira entrou no avião.  

Victor van der Ecburg

Ao longo de todas estas peripécias da entrada da minha cadeira no avião da KLM, tanto o comissário de bordo, chefe de cabine, como o piloto, iam atualizando os passageiros pelo microfone do que se estava a passar. Desde o início que era notório o esforço da companhia aérea para ser o mais transparente possível com todos. Num destes comunicados, enquanto eu e a minha AP tentávamos encontrar uma imagem da central de comandos da minha cadeira para mostrar ao copiloto (os botões que a permitiam inclinar), um passageiro que se encontrava atrás de nós, ao aperceber-se de que também falávamos português, chegou-se até nós para perguntar se queríamos ajuda a encontrar alguma coisa no Google. Ali deu para sentir a enorme empatia sentida por todos aqueles que estavam a presenciar aquele momento.  

No final, quando nos vieram dar a notícia de que o copiloto tinha conseguido armazenar a cadeira, fizemos questão de nos desfazermos em agradecimentos. Em resposta à nossa gratidão, o chefe de cabine, que só por si só era uma personagem digna de filme (imaginem: homem esguio, com um certo ar pomposo, pedante, como se fosse um conselheiro real da Disney, de boca pequena, afrancesada, com um bigode preto grande encaracolado e bem formado), disse-nos que eles não eram robôs, mas sim humanos, ao que respondemos, “pois, mas nem todos são assim”. Por fim, arrematou com uma frase que me deixou de coração no chão, mas bem quentinho, e lágrima no olho: “é precisamente por isso que tentamos fazer a diferença.”   

Para terminar em bem, mesmo apesar de quase uma hora de atraso, os passageiros que estiveram a assistir a tudo, bem como a tripulação, bateram palmas pelo final feliz. 

A chegada a Portugal correu sem stresses.  

Reclamação à TAP

Ao longo dos anos tenho escolhido sempre a TAP, por ser a companhia de bandeira do nosso país, e por sentir ser de confiança. Contudo, as duas últimas experiências foram, mesmo, muito negativas. Em setembro de 2022, viajei com um grupo de pessoas com deficiência, a maioria com mobilidade reduzida (fui a Bruxelas participar na Freedom Drive ️). Houve diversos constrangimentos, nomeadamente falha na comunicação inteira sobre os nossos produtos de apoio previamente comunicados (com mais de 48h de antecedência), voos atrasados dada a incompetência do staff, uma cadeira de rodas danificada e cerca de 3h de espera pela assistência da MyWay, no voo de regresso a Lisboa. 

A reclamação à TAP foi efetuada no dia 30 de abril, através do Livro de Reclamações Eletrónico. Além do reembolso que exigi, deixei algumas questões: 

  • Porque é que o agente da 2ª chamada telefónica conseguiu desbloquear o meu voo de ida, e a operadora da 1ª chamada não?
     
  • Porque é que a agente da 1ª chamada se negou a passar-nos ao seu superior? 

  • Porque é que em todos os momentos de reserva, pedidos de assistência e check-in são feitas as mesmas perguntas quanto aos produtos de mobilidade (cadeira de rodas) e aparelhos médicos? Porque é que a informação não é passada da mesma forma pelos diversos departamentos? 

  • Quando é feito um pedido de assistência para uma reserva de ida e volta, como é que há falhas de comunicação relativamente ao voo de volta? 

  • Porque é que a TAP negou o meu embarque no voo TP671? 

  • Porque é que a TAP, representada pela Swissport no aeroporto de Schiphol, se desresponsabilizou por completo da minha situação e nem tão pouco me assegurou assistência até ao voo seguinte?

Deixei, também, as seguintes notas: 

  • É urgente garantir que a informação interna seja passada, de forma célere e uniforme, a todos os departamentos e entidades. Não pode haver falhas na comunicação.

     

  • É importante que os operadores de call center, com o código de reserva, possam aceder à mesma informação dos funcionários dos balcões de atendimento pessoal (facto confirmado por vós).
     
  • Sempre que um funcionário não consegue dar uma resposta ou essa resposta não é satisfatória, o cliente tem direito a falar com o seu superior — algo negado pela TAP diversas vezes.

     

  • É necessário rever os critérios de ser ou não um Medical Case e que a informação seja explícita, não só no vosso site, como para todos os vossos colaboradores. 

     

  • As queixas de pessoas com mobilidade reduzida face aos vossos serviços são intermináveis. É imperativo ouvir os clientes, mesmo quando estes se encontram emocionalmente desgastados para avançar com queixas formais. Exige-se que as vossas equipas sejam devidamente formadas e que as questões logísticas sejam desbloqueadas para facilitar o atendimento e embarque de pessoas com deficiência.

     

  • Sugere-se ainda de que na compra de bilhetes, haja uma modalidade específica para pessoas com mobilidade reduzida e que, num futuro breve, seja possível adicionar todas as informações relevantes à conta de cliente, para que não seja necessário estar a repetir sistematicamente a mesma informação sempre que a pessoa for viajar.

  • Além disto, é preciso agir em concordância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O aviso de 48h trata-se de uma discriminação, constituindo-se numa violação da convenção, uma vez que obriga as pessoas com deficiência a ter um tratamento diferente dos restantes clientes. A CP — Comboios de Portugal já teve esta obrigatoriedade das 48h (também por questões “logísticas”), entretanto passou para 12h e atualmente exige 6h de aviso, sendo que já se sabe que vai voltar a reduzir. Eles são o exemplo real de que é possível reduzir e esse é o caminho correto. A logística de uma empresa tem a obrigação de ser adaptada a cada situação e, sendo esta criada e operacionalizada por pessoas, é sempre passível de ser revista e melhorada. 

No que toca à minha relação com a TAP, ao contrário do que muito se especulou, eu sou apenas uma mera cliente. Não tenho nenhum interesse em manchar a imagem da companhia aérea, não tenho o mínimo prazer em reclamar e, perdoem a minha ignorância, nem tão pouco tenho estado a par dos problemas administrativos da empresa. Cada um tem as suas lutas e preocupações e a minha é que eu, enquanto pessoa com deficiência, tal como os meus pares, que, além de pagar o mesmo valor de um bilhete comum, temos de pagar a dobrar, pois não podemos viajar sozinhos (mais uma discriminação grave), tenhamos, no mínimo, um tratamento equalitário e digno.    

Decidi não avançar com uma ação judicial, pois o meu interesse não é estar a chular dinheiro a ninguém. A justiça pode ser feita de muitas maneiras e não seriam uns milhares de euros de indemnização que iriam apagar o mal que foi feito, ou prevenir que mais situações destas se repetissem. Optei por escrever no livro de reclamações eletrónico — outra forma legal e oficial de reclamar.  

A comunicação social veio até mim de forma natural, após eu partilhar os primeiros stories no meu Instagram, sobre a situação. Felizmente, ainda existem jornalistas que acreditam que a imprensa pode ter um papel cívico e decisivo na resolução de casos de injustiça social. 

Os media também têm o outro lado, claro. Um canal de televisão conhecido, que esteve na iminência de fazer uma reportagem para o seu noticiário da noite, não só desistiu de o fazer, como optou por me convidar para um dos seus talkshows da manhã, para contar a minha “história de vida”. Tentei encontrar um meio-termo e explicar que eu não me revia muito na estrutura deste tipo de programas, deixei claras as minhas condições, no entanto, acabámos por não chegar a nenhum consenso e decidimos que assim sendo, a minha presença no programa não faria sentido.

Deixo aqui um excerto do e-mail que enderecei ao programa: 

“Se possível, gostaria de esclarecer alguns pontos importantes. 

Sou ativista, anticapacitista, pelos direitos das pessoas com deficiência (PcD), membro da direção da Associação Centro de Vida Independente. Um dos nossos objetivos, enquanto comunidade de PcD, tem sido desconstruir as histórias paternalistas à volta da deficiência que os media nos têm habituado. Neste sentido, eu própria não me identifico com narrativas sensacionalistas e dramáticas. 

Ainda assim, porque quero acreditar que há sempre espaço para novas formas de abordagem e consciencialização, e caso vos faça sentido, estou interessada e disposta a participar no programa, na condição do foco não ser a minha vida pessoal propriamente dita, mas sim a luta pelos direitos das pessoas com deficiência, na qual, claro, tenho dado o meu contributo. 

Poderei pontualmente pegar em episódios pessoais de ativismo para ilustrar a luta da minha comunidade. O que vos parece?” 

O Jornal Público esteve cerca de 2 meses a investigar este caso e pediu esclarecimentos à TAP. Poderão consultar a notícia na íntegra aqui. De realçar que, se por um lado a companhia assume um erro humano da parte deles, por outro lado, tem o descaramento de mentir publicamente, dizendo que fui eu que neguei o apoio que eles me haviam oferecido no seguimento da proibição do meu embarque (em momento algum nos foi oferecido apoio). No entanto, na resposta que a TAP me deu por e-mail, foi-me dito que, afinal, foi uma falha no sistema… Em que é que ficamos? 

A verdade é que, com a minha reclamação e insistência, mais a pressão da comunicação social, a TAP não teve outro remédio senão dar-nos ouvidos e uma resposta. 

Só no dia 13 de julho é que o caso ficou totalmente resolvido. De acordo com o regulamento CE 261 2004, além do reembolso dos voos alternativos, tive direito a 400 € de indemnização por passageiro. Como fui com uma assistente pessoal e fui eu a acarretar com todos os custos, recebi 800 €. Mesmo assim, o pagamento só foi finalizado após eu ter insistido novamente com a TAP, a questionar o porquê da demora, ao que me responderam que, “por lapso a compensação referente ao reembolso do diferencial para os novos bilhetes não [tinha sido] concluída”. Muitos lapsos para um só caso… 

Algumas notas importantes: a TAP só começou a responder à minha reclamação após ter sido contactada pela imprensa; chegou-me aos ouvidos que a companhia aérea alegava que o meu caso estava a ser vendido à força à comunicação social. Por fim, é importante sublinhar que eu não sou uma “influencer à procura de serviços gratuitos. Acima de tudo, sou ativista e militante do movimento de defesa dos direitos das pessoas com deficiência e da filosofia de vida independente. O blog é uma consequência e expressão do meu ativismo, tal como a minha relação com a imprensa. A angariação de fundos, aberta por mim, foi para pagar única e exclusivamente as despesas relacionadas com a minha assistência pessoal, algo imprescindível para o meu dia a dia, para o qual o financiamento do Estado não cobre todos os cenários. Todos os restantes custos, expectáveis, para uma viagem normal de lazer, foram suportados na totalidade por mim. A minha reclamação contra a TAP foi na sequência de um péssimo e perigoso serviço que me foi prestado, e não com o intuito de receber dinheiro para pagar as minhas próprias despesas, ou para, quiçá, “ganhar viagens gratuitas”. 

Por fim, gostava ainda de esclarecer o seguinte: sempre tive noção da fragilidade do meu caso a partir do momento em que eu não pedi a assistência no aeroporto de Lisboa com, no mínimo, 48h de antecedência. Sabia, no entanto, que tal facto em nada podia justificar a falha astronómica da TAP, porque assim que eles autorizaram a minha ida, estavam a assumir de imediato a responsabilidade do meu regresso. No entanto, quando avancei com a reclamação e a primeira entrevista que dei, sabendo da minha própria desvantagem enquanto consumidora individual, sem qualquer apoio jurídico ou organização por trás, contra uma gigante empresarial, que muito facilmente poderia abafar a minha história, decidi colocar logo todas as cartas em cima da mesa e assumir o meu erro. Cada vez mais sou apologista da transparência e honestidade, pelo que assim o fiz: assumi publicamente a minha falha, bem como as minhas razões para tal. Embora tal declaração me tenha tornado num isco fácil para a malvadez da generalidade das pessoas, a verdade é que em nenhum momento a TAP referiu o meu erro, nem tão pouco o usou como argumento falacioso para justificar a sua própria falha. E nada mais importa, porque no final, fez-se justiça.

Poderão aceder à reclamação submetida e aos e-mails trocados com a TAP, no âmbito da queixa, neste link. Por questões de segurança e confidencialidade, alguns dados e anexos estão ocultos. Caso sejam um órgão de comunicação social, ou outra entidade pública oficial, poderão solicitar mais detalhes através do e-mail hello@chairleader.pt.              

Para terminar, mesmo com todo este acontecimento dramático e infeliz, a minha experiência em Amesterdão foi ma-ra-vi-lho-sa. Foi tão, mas tão boa, que, ao contrário do expetável, não criei qualquer fobia a viajar. Pelo contrário. Se tiver de passar por situações idênticas sempre que quiser voar… a esperança de poder voltar a sentir aquilo que senti em Amesterdão faz tudo valer a pena. Venham eles! 

Em breve sairá um novo, e último, artigo, sobre a minha experiência em Amesterdão.

Até já!

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Raquel Banha

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