Pela antecipação da reforma das pessoas com deficiência

Sempre ansiei chegar ao mercado de trabalho com energia, força e muito ânimo. Foi, de facto, assim, durante os primeiros meses. Todos os dias eu tinha novas ideias, trazia aquela garra e entusiasmo, ligeiramente irritante, de recém-graduada e via o futuro com bons olhos. Rapidamente, e após as coisas terem corrido para o torto logo no meu primeiro emprego com contrato, percebi que a minha energia, tal como a da maioria das pessoas com deficiência, não só era finita, como desaparecia muito mais rápido do que eu imaginava e desejava… Eu já só pensava na reforma e “como raio é que as pessoas aguentam trabalhar durante tantos anos, oito horas por dia?”.

Além da minha energia ter pavio curto, também demora mais tempo a ser restaurada. Cada deficiência tem as suas particularidades. Mas, regra geral, enfrentamos os mesmos desafios: transportes não acessíveis e limitados (que estão sempre “em manutenção”), caminhos sem rebaixamento e instalações com pouca ou nenhuma acessibilidade, entre tantas outras barreiras que nos forçam a ultrapassar indo pelo caminho mais longo (ou melhor, pelos atalhos das “entradas nas traseiras”). Portanto, sim, o esforço que fazemos para trabalhar, além das limitações reais dos nossos corpos, é sempre a duplicar e a triplicar. Temos de acordar com mil horas de antecedência, já a contar com a falta de transportes, os elevadores avariados e os lugares de estacionamento para deficientes ocupados. Somos obrigados a esticar a nossa energia, naturalmente mais findável, para conseguirmos não só trabalhar, como gerir toda a vida e logística pré e pós-emprego. Nunca se esqueçam disto: a sociedade limita-nos mais do que os nossos próprios corpos.

Saímos à rua!

Por estas e outras razões, as pessoas com deficiência envelhecem precocemente e são sujeitas a um maior desgaste físico e emocional. Muitos de nós, para não dizer a maioria, morre bastante antes de poder usufruir da reforma. Pagamos impostos, descontamos e contribuímos para a segurança social, mas a inadaptabilidade da sociedade contemporânea mata-nos antes de podermos ter um final de vida digno, que, tal como todos os cidadãos, merecemos. E é por isso que tivemos de sair à rua, na passada quinta-feira (16/09), para revindicar o direito à reforma antecipada para nós, pessoas com deficiência. Estou em início de carreira, mas quero que quem já cá ande há mais tempo ainda vá a tempo de ter uma reforma digna e justa. Já sinto na pele o desgaste do passado e do meu futuro. Exigimos justiça, num estado que diz ser social. Posto isto, juntaram-se os coxos à esquina das escadas da Assembleia da República para tocar na consciência dos políticos-decisores do nosso país: foram 20h de protesto.

Coincidência ou vergonha?

Espasmem-se: após o governo saber da nossa ação de protesto, relevou na noite anterior que o relatório final sobre reforma antecipada das pessoas com deficiência ia ser entregue à AR. Pois entregaram-no no primeiro dia da manifestação, de manhã, antes do protesto ter iniciado. Coincidência ou vergonha? Aquando início da ação, quando estávamos a afixar os cartazes, fomos abordados por um polícia que nos informou ter ordens “superiores” para proibir a colocação de cartazes no gradeamento da escadaria da AR. Note-se que já estava uma faixa grande presa nas grades, montada há já algum tempo, pelos manifestantes do protesto anti vacinas que está a decorrer até dia 25 de setembro, também na AR. Foi preciso que os defs chegassem e tentassem fazer uma manifestação civilizada e pacífica para, subitamente, alguém “superior” banir cartazes no gradeamento. Coincidência ou vergonha? Já para não falar sobre o direito ao manifesto e liberdade de expressão…

Mais tarde, numa das visitas que alguns deputados nos fizeram, um dos grupos parlamentares olhou-nos nos olhos e afirmou “não ter votado contra” a proposta-lei da antecipação da reforma, quando esta foi a votos. É mentira, eles votaram contra. Queremos o envolvimento de todos os partidos políticos, mas jamais aceitaremos que nos tomem por estúpidos. Quanto a vocês não sei, mas aqui, se fosse eu, teria muita vergonha.

Juntem-se à nossa luta e façam-se sócios da Associação Centro de Vida Independente, aqui.

Jamais nos calaremos!

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Raquel Banha

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