O mundo é construído através das nossas iris e córneas. É processado e vivido única e exclusivamente por nós. Cada um nós. Um mundo por pessoa, em cada pessoa. Narcisista ou não, é assim que vejo. Um mundo por cada alma, a nossa alma. Que é só nossa e de mais ninguém. E, como tal, quando as almas se modificam, os seus mundos também se transformam. Transformam-se cada vez que usamos novas lentes e filtros. Até que um dia, eventualmente, só conseguimos encontrar uma determinada lente: a negra. Preta, imensamente forte e irresistível como um buraco negro. Nada a consegue atravessar, nada lhe sobrevive. É ali, naquele funesto escuro, onde todo o mundo acaba e deixa de existir. É ali, aqui, que eu estou. O meu arco-íris dissipou-se à velocidade da luz. A força negra tomou o meu controlo, pegando nos fios da marioneta que sou.
Cada alma perdida equivale a um mundo extinto. Acredito que a mítica frase “nascemos e morremos sozinhos” tenha a ver com isto mesmo. Por mais que nos tentemos expressar e partilhar, só nós temos o nosso cérebro e os nossos olhos. Quando falo em olhos, não falo no sentido literal – falo na capacidade de olhar para a vida, de termos a nossa perspetiva. E a nossa perspetiva é única e solitária. A originalidade acarreta consigo uma imensa solidão. Estamos todos sozinhos em conjunto.
Quando, na ânsia de viver, a nossa lente estala e fica desgastada, começa a distorcer o nosso mundo. O nosso mundo assenta-se num chão por nós criado para que nele consigamos caminhar. Qualquer mundo precisa de chão para ser pisado. Mas, quando a lente estala, o piso fragmenta-se. A força necessária para continuar a caminhar, saltando de fragmento em fragmento, como se estivéssemos a saltar entre pedras de um riacho, acabar-se-á eventualmente com o tempo. Não há força sem tempo, já pensaram? O esgotamento da força leva-nos à queda, ao abismo. Sem força e sem piso, ficamos numa queda eterna. Ao cair, e com a lente a desfazer-se, a dificuldade em (re)construir uma realidade verdadeira (se é que isso existe) torna-se titânica. Não há realidade sem chão, ou haverá? A memória torna-se turva e a realidade transforma-se em nevoeiro. Os sonhos, sejam eles noturnos ou diurnos, tornam-se no nosso aconchegante cobertor de alma, incapacitando-nos de voltar a construir um novo chão. Talvez algumas pessoas tenham sido apenas feitas para sonhar.
O estado da nossa lente tem consequências, possivelmente irreversíveis, na maneira como olhamos o mundo. E é por isso que estou de baixa psiquiátrica. Estou de baixa porque a minha lente desapareceu, cegou-me. Deixei de ser capaz de ver de forma clara e viver de forma objetiva. Não me sinto dona de mim mesma nem tão pouco da minha vida. Eu nunca quis que o meu choro fosse maior que a minha alegria. Que o desespero se sobrepusesse à minha capacidade de dar a volta e de pensar que tudo iria ficar bem e que o mundo não iria acabar. A terra não precisa de parar para que o mundo acabe. Ou que o sol desapareça, ou o universo deixe de se expandir e se torne num lugar frio e sombrio. O meu mundo, por agora, acabou.

Nota: embora o meu mundo tenha, por enquanto, acabado, encontra-se de momento em fase construção. Com isto quero dizer que estou a ser seguida e a cuidar de mim ♥️

+1
0
+1
0
+1
0
+1
0
+1
0
+1
0

Raquel Banha

Partilha este artigo

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *